Num interrogatório de 45 minutos, prestado à Justiça Federal em Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou nesta terça-feira, 14, as acusações de que atuou para "comprar" o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró e, com isso, obstruir investigações da Operação Lava Jato.
Em tom de desabafo e demonstrando um certo nervosismo no início do depoimento, o petista afirmou que, nos últimos três anos, tem sido "vítima de um massacre", com insinuações diárias, pela imprensa, de que será delatado por empresários e políticos supostamente envolvidos em corrupção.
"O senhor sabe o que é levantar todo dia achando que a imprensa está na porta de casa porque vou ser preso?", questionou. "Tenho dito: duvido, antes, durante e depois, os que estão presos e os que vão ser presos, que tenha um empresário ou um político que tenha coragem de dizer que um dia me deu R$ 1 mil ou que tenha coragem de dizer que um dia o Lula pediu cinco centavos para ele", acrescentou.O interrogatório foi o primeiro de Lula numa ação penal relacionada à Operação Lava Jato.
O ex-presidente apresentou sua versão para a acusação de que foi o mandante de uma operação para viabilizar pagamentos ao ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró e, assim, evitar que ele firmasse um acordo de delação premiada com a Lava Jato. A suposta participação de Lula no esquema foi descrita pelo ex-senador Delcídio Amaral (sem partido, ex-PT-MS) em colaboração fechada com o Ministério Público Federal (MPF) depois de ser preso. O ex-congressista relatou que a ordem de Lula para evitar a confissão do ex-dirigente da estatal foi dada em reunião no Instituto Lula, em São Paulo.
Segundo a denúncia do MPF, Cerveró revelaria como recursos desviados de um contrato da estatal com a Schahin foram usados para pagar empréstimo fraudulento, contraído pelo pecuarista José Carlos Bumlai para financiar o PT. Também réu na ação, Bumlai é compadre do ex-presidente e tinha livre acesso ao Palácio do Planalto na gestão dele.
O ex-presidente disse que fica chateado com "ilações" do ex-senador Delcídio, declarou que as acusações dele são falsas e que, se há um brasileiro que "deseja a verdade", é ele próprio. Explicou que não tinha nenhum motivo para temer as declarações de Cerveró, com quem não tinha contato, e que o ex-congressista era quem, na verdade, tinha uma "relação histórica" com ele.
"Certamente, depois de preso, as pessoas procuram um jeito de sair da cadeia e botar a culpa nos outros", justificou, em referência a Delcídio.
Lula disse que tinha uma relação institucional com Delcídio, que era líder do governo no Senado, e que discutia vários assuntos com ele. Alegou, no entanto, nunca ter tratado da situação de Cerveró com o ex-senador, embora o assunto Lava Jato possa ter surgido nas conversas. "Lava Jato, no Brasil, a gente fala no café da manhã, no almoço, na janta e até depois da novela."
Lula disse que era amigo de Bumlai, mas não tinha conhecimento do empréstimo feito pelo pecuarista com a Schahin, tampouco do contrato firmado pela Petrobrás com a empresa, mais tarde, supostamente para que o valor débito fosse considerado pago. "Fiquei sabendo que o Bumlai tinha feito o empréstimo pela imprensa", sustentou Lula.
Pesquisa.
O ex-presidente dedicou boa parte de seu discurso a exaltar realizações de seu governo num tom, por vezes, semelhante ao de um discurso político. Citou conquistas sociais e reiterou que os órgãos de investigação tiveram mais estrutura e autonomia durante os seus oito anos de mandato. Previu que, apesar do volume de notícias de cunho negativo a seu respeito, seu desempenho em sondagens eleitorais continuará incomodando opositores. "Vou matar eles de raiva, porque em todas as pesquisas vou aparecer na frente", declarou.
Lula afirmou que o ofende "profundamente" a acusação de que o PT é uma organização criminosa. Argumentou que o partido é o mais importante já criado no País e que trabalhou para o fortalecimento das instituições, entre elas a Polícia Federal.
"No meu governo, a PF tinha de fiscalizar, tinha de investigar, teve dinheiro para a inteligência e os delegados sabem como é que eles foram valorizados. Eu dizia só tem um jeito de ningém mais ser preso: é ser honesto".
O ex-presidente voltou a criticar integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba por, supostamente, fazerem "pirotecnia com as pessoas", mas afirmou ser a favor das investigações. "Tem gente que acha que eu sou contra a Lava Jato. Pelo contrário, quero que ela vá fundo. Sou contra tentar criminalizar a pessoa pela imprensa, e não pelos autos", justificou.
No princípio do depoimento, o ex-presidente também foi questionado sobre dados pessoais, entre eles a renda. Afirmou que ganha remuneração de anistiado político, de cerca de R$ 6 mil, mais ao menos R$ 20 mil de benefícios da ex-primeira dama Marisa Letícia, morta no mês passado, em decorrência de um AVC, além de rendimentos de sua empresa de palestras, a LILS.
"Pode botar uns R$ 50 mil, estou tentando chutar", disse Lula, avisando que seus advogados poderiam enviar tudo, em detalhes, por escrito.
Antes de deixar a sala de audiências, Lula agradeceu ao juiz federal substituto Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara, pela oportunidade de falar. "Quero agradecer a oportunidade de prestar depoimento, pois estou com muita coisa engasgada", declarou em uma de suas falas.
O juiz abriu dez dias de prazo para que a defesa e o MPF façam, eventualmente, pedidos de diligências que considerem necessárias. Em seguida, será aberta a fase para que os dois lados apresentem as alegações finais. Depois disso, uma decisão já poderá ser tomada. O procurador Ivan Cláudio Marx, que representou o MPF, afirmou que o depoimento transcorreu conforme o esperado.
A audiência provocou mudanças no trânsito no entorno da Justiça Federal, na Asa Norte, em Brasília, e também no interior do edifício. Além da sala de audiências, o depoimento foi transmitido simultaneamente por vídeo em outro andar do edifício para a imprensa.
Desde o início da manhã, a rua que dá acesso ao prédio ficou interditada para o tráfego de veículos. Ao final da audiência, um grupo de cerca de 20 pessoas fez uma manifestação ao lado de fora a favor do ex-presidente.
Fonte: Estadão
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