Será que Shakespeare existiu de verdade?
Se as obras atribuídas a Shakespeare foram escritas por Francis Bacon, então as obras atribuídas a Bacon devem ter sido escritas por Shakespeare
O italiano Umberto Eco, morto em 2016, era mais conhecido como autor do best-seller O Nome da Rosa, cujo subtítulo explicativo poderia ser As Aventuras do Frade Sherlock Holmes e seu ajudante abismado num Sádico e Libertino Mosteiro da Idade Média, mas Eco, também professor e semiólogo, era muito mais do que um rearranjador de enredos detetivescos. Em seus estudos costumava pôr pontos finais em questões que ficaram sem resposta durante décadas ou mesmo séculos. É o caso do pequeno ensaio que escreveu sobre a eterna e cansativa Shakespeare-Bacon Controversy.
Em A Memória Vegetal e Outros Escritos Sobre Bibliofilia, Eco resgata o problema da autoria das obras atribuídas a William Shakespeare. “Resumindo, o debate nascia da convicção de que um homem de escassa cultura e ínfima extração social como Shakespeare não era capaz de elaborar textos de tal valor artístico e tal profundidade de pensamento. Parecia mais aceitável a ideia de que Shakespeare era no máximo aquele que encenava e representava as obras atribuídas a ele, mas devidas na verdade a um personagem de grande engenho e sensibilidade. Naquela época, ninguém podia exibir tais qualidades, exceto Francis Bacon, filósofo e profundo conhecedor da alma humana”.
Com humor e muito sarcasmo, e criando referências biográficas fictícias como Fuck Shakespeare – and Bacon too! (London, 1890), Eco reinventa a história da controvérsia e explica que, se se pode afirmar que somente um conhecedor das Letras como Bacon seria capaz de escrever peças do calibre de um Hamlet ou um Rei Lear, então também se pode crer que somente um conhecedor da vida mundana como Shakespeare seria capaz de escrever obras do calibre de uma Nova Atlântida, tradicionalmente atribuída a Bacon. Mas o imbróglio prossegue. Para escrever as obras de Shakespeare, Bacon “não teria podido concebê-las sem uma frequentação cotidiana do mundo do teatro e, em sentido inverso, se Shakespeare era o autor da obra de Bacon, não poderia tê-la concebido sem uma frequentação cotidiana da própria corte”.
Conclusão: ou os dois trocaram de identidade até o fim de suas vidas, o que parece impossível, ou a obra de Shakespeare era verdadeiramente de Shakespeare e a de Bacon, verdadeiramente de Bacon. Ponto final.
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P.S.: a Universidade de Cambridge acaba de etiquetar algumas peças de Shakespeare com a advertência “conteúdo sensível”, já que a linguagem do bardo traria desconforto aos alunos, hoje tão sensíveis e tão chatinhos. Sugiro que passem a alimentar as suas alminhas lindas com a série da Pollyanna.
Fonte: veja.com
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