Zelotes: entenda a outra operação que está mexendo com as grandes empresas
Ofuscada pela Lava Jato, operação que investiga fraude fiscal já tornou réu dono do grupo Safra e indiciou presidentes de grandes empresas como o banco Bradesco e o grupo Gerdau
A Operação Zelotes voltou a ganhar os holofotes na terça-feira (31) com a notícia de que a Polícia Federal (PF) decidiu indiciar o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, e mais nove pessoas por suspeita de envolvimento em um esquema de fraudes para sonegação de imposto
Quando uma pessoa que está sendo investigada é indiciada isso significa que a PF considera haver indícios suficientes para que o Ministério Público Federal (MPF) apresente uma denúncia à Justiça. Cabe aos procuradores, no entanto, avaliar o relatório da PF e decidir se pedem a abertura de um processo.
A Zelotes – que tem sido ofuscada pela Lava Jato – investiga há pouco mais de um ano a existência de quadrilhas que atuavam no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) com objetivo de reverter a cobrança pela Receita Federal de impostos atrasados e multas. A PF estima que esse esquema teria causado perdas bilionárias de arrecadação à União.
A informação sobre o indiciamento de Trabuco, divulgada pelos principais grupos jornalísticos do país, não foi confirmada oficialmente pela PF. Em nota, o Bradesco afirma "que não houve contratação dos serviços oferecidos pelo grupo investigado" e acrescenta que "(o banco) foi derrotado por seis votos a zero no julgamento do Carf".
Há duas semanas, já haviam sido indiciados o diretor-presidente do Grupo Gerdau, André Gerdau, e mais 18 pessoas. No final de abril, o dono do grupo Safra, Joseph Safra, virou réu em um processo acusado de pagar propina para reverter multas da Receita.
Entenda melhor abaixo o que é a Operação Zelotes.
Primeiro, para que serve o Carf?
Apesar de um tanto obscuro, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que está submetido ao Ministério da Fazenda, é considerado essencial por especialistas na área tributária.
Eles ressaltam que estruturas com a mesma finalidade existem na maioria dos países. São tribunais administrativos especializados em que os contribuintes (empresas ou pessoas físicas) podem questionar cobranças da Receita Federal antes de apelar diretamente à Justiça comum.
A importância destes órgãos está no fato de que os magistrados da Justiça comum normalmente não têm qualificação técnica aprofundada para julgar temas tributários. Quando a Receita Federal perde o julgamento no Carf, a União não pode recorrer à Justiça.
O Carf é formado por conselheiros – metade deles são indicados pela Receita Federal e a outra metade, em geral advogados, são escolhidos por confederações (de empresas e trabalhadores) para representar os contribuintes.
Esses advogados antes atuavam sem qualquer remuneração – após a deflagração da Zelotes passaram a receber pelo trabalho, em regime de dedicação exclusiva.
Qual é o esquema investigado pela PF?
A operação teve início em março de 2015 para investigar o pagamento de propina para conselheiros do Carf votarem em favor das empresas multadas pela Receita nos julgamentos.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a operação Zelotes teve início a partir de uma carta anônima de duas páginas entregue em um envelope pardo na coordenação-geral de Polícia Fazendária, no edifício-sede da PF, em Brasília.
Essa denúncia citou nomes de conselheiros e empresas relacionados ao que seria "um impressionante esquema de tráfico de influência e corrupção em Brasília, responsável pelo desvio de bilhões de reais nos últimos anos", afirma o jornal.
Entre os supostos envolvidos investigados já na etapa inicial estavam ao menos 70 empresas, 15 escritórios de advocacia ou consultoria e 24 pessoas, como conselheiros e ex-conselheiros do Carf. As grandes companhias atingidas incluiam as montadoras Ford e Mitsubishi, os bancos Bradesco, Santander e Safra, a empreiteira Camargo Corrêa, o grupo siderúrgico Gerdau, a Petrobras, a BR Foods (setor de alimentos) e o grupo de comunicação RBS.
Na época, falou-se em prejuízo estimado de R$ 19 bilhões aos cofres públicos. Em outubro do ano passado, a Zelotes também passou a investigar indícios de venda de Medidas Provisórias (MPs) que prorrogavam desonerações tributárias para o setor automotivo.
Estão sobre suspeitas três MPs editadas pela Presidência da República – duas no governo Lula, em 2009 e 2010, e uma pelo governo Dilma, em 2013 e – depois aprovadas pelo Congresso.
Entre os investigados nesse caso está Luís Cláudio Lula da Silva, filho caçula do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A PF suspeita que sua empresa, a LFT Marketing Esportivo, recebeu pagamentos para interceder na publicação das MPs.
Já houve condenações?
A operação Zelotes já levou a algumas condenações em primeira instância - cabe recurso a tribunais superiores. No início de maio, por exemplo, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, condenou nove pessoas, sendo seis lobistas, dois executivos da indústria automobilística e um servidor público.
Em sua decisão, o juiz concluiu que uma associação criminosa agiu, por meio do pagamento de propinas, para conseguir a aprovação de um texto de lei favorável a seus interesses.
Durante as investigações, foram citados os nomes do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e do senador Romero Jucá (PMDB-RR) – um inquérito para apurar o caso foi aberto após autorização do Supremo Tribunal Federal. Como parlamentares têm foro privilegiado, só podem ser julgados pela mais alta corte do país.
Também no início do mês, o MPF apresentou denúncia contra 23 pessoas investigadas na Zelotes pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência. São advogados, conselheiros do Carf e empresários ligados a casos envolvendo três empresas – Banco Santander (antigo Bozano), Qualy Marcas Comércio e Exportação de Cereais e Brazil Trading LTDA.
Já o dono do grupo Safra, Joseph Safra, tornou-se réu em um processo há cerca de dez dias após a Justiça Federal do Distrito Federal acolher denúncia contra ele. Safra é acusado de pagar propina para obter decisões favoráveis no Carf.
Uma fraude de 19 bilhões?
As primeiras informações divulgadas no ano passado eram de que a fraude detectada pela Operação Zelotes poderia chegar a R$ 19 bilhões. Exatamente por causa da complexidade de alguns temas tratados pelo Carf, esse valor pode não se confirmar, na opinião de especialistas ouvidos na época pela BBC Brasil.
"Não posso concluir se um auto (de infração) é procedente ou improcedente pela existência de um ilícito ou não. As duas coisas são independentes", avaliou o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.
Sergio André Rocha, advogado tributarista e professor da faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), deu opinião semelhante na época. Ele avaliou que, se for provado que houve fraude no julgamento, quem estiver envolvido (conselheiros, empresas ou seus funcionários) terá de ser julgado criminalmente.
Mas, afirmou ele, isso não significa que o valor cobrado é de fato devido. "A ação terá que ser revista em novo julgamento do Carf", defendeu.
Esses especialistas observaram que alguns temas não têm ainda jurisprudência (decisões que pacificam uma polêmica jurídica e servem de referência para os julgamentos seguintes). Ou seja, são questões em que as decisões do Carf e da Justiça têm variado, dependendo do caso.
Um dos assuntos mais complexos e polêmicos analisados pelo Carf refere-se aos casos em que empresas abatem o ágio de operações de fusão e aquisição do Imposto de Renda. O ágio é a parcela paga a mais na aquisição de uma empresa em relação a valor patrimonial da companhia e que se baseia nas perspectivas de lucros futuros com a operação.
Um desses casos foi justamente alvo da Operação Zelotes. Entre os processos investigados pela PF estão ações movidas pela Gerdau questionando autuações da Receita Federal em que o órgão acusa o grupo de "planejamento tributário abusivo" nas operações de reestruturações societárias envolvendo oito empresas do grupo, realizadas entre 2005 e 2010.
A origem da polêmica é que essas operações foram feitas internamente, entre empresas de um mesmo grupo.
"São matérias muito controversas, e isso não está pacificado na jurisprudência. Não há de se falar em certo ou errado. Ágio interno pode? Metade diz que sim, metade diz que não", afirmou Maciel.
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